Internet: Belzebu em pele de ovelha?

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Venho pensando há algum tempo sobre como a forma de consumir música está mudando para as gerações após a minha. Sei que grande parte da minha já faz parte dessa cultura, mas sempre tem as ovelhas negras da família, certo?

Ano passado estava ajudando uma banda amiga a organizar os CDs para o estande em um festival quando o vocalista comenta: “Vendemos mais camisetas que CDs“. A frase veio acompanhada por uma risada – que interpretei como uma constatação de que “os tempos realmente mudaram”. De fato, as pessoas demonizam a compra de álbuns e a grande maioria apenas escuta músicas de divulgação. Ok, você pode argumentar que essa maioria já existia na época do rádio, mas não era uma maioria tão maioria quanto em 2016.

Em uma festa de Halloween que organizei na escola em que trabalho, me assustei ao ver que dos alunos que se diziam “fãs” e acompanhavam o dia-a-dia de artistas do pop mainstream como Taylor Swift e Katy Perry, apenas um(!) conhecia os “não-singles” de seus álbuns. E, claro, todos tinham as músicas em seus smartphones… Frutos de download ilegal. Essa semana mesmo, enquanto estava conversando com eles antes da aula, o comentário era sobre como no sistema operacional Android é possível “hackear” o Spotify e ter acesso ao serviço Premium sem pagar os R$ 14,90 mensais. Sim, o mesmo Spotify que oferece streaming gratuito e remunera artistas num valor equivalente ou inferior à 0,01 centavo por execução de suas faixas.

Há, obviamente, um lado bom na cultura de Downloads: Antes, você não podia ter uma “degustação” do produto que você pretendia comprar para saber se valia a pena ou não o investimento. Ou precisava ter aquele trabalho de copiar o CD para o computador. Dependendo da sua velocidade de conexão, realizar o download lhe economiza um tempinho considerável. Um artista independente do interior do Nordeste pode, com muito mais facilidade, levar seu trabalho para o resto do Brasil investindo tempo e paciência com redes sociais. O problema é que, colocando na balança, o estrago que a Internet fez na música é infinitamente mais pesado que todos os benefícios que ela proporciona.

Antes, um artista independente poderia até não ter acesso à ferramentas de financiamento coletivo. Porém, era mais fácil conseguir patrocinadores para os trabalhos. Meu tio gravou vários álbuns assim – além de pessoas que conheço que conseguiram gravar um álbum inteiro com a ajuda da rádio local (E eu sou do interior do Nordeste!)!

Tinham os Olheiros, que ficavam de olho nas pequenas bandas que estavam causando um burburinho nos clubes locais e que apostavam suas fichas nesses atos, que geralmente conseguiam contratos com gravadoras. Claro, nem tudo são flores… Havia (e há) muito artista ingênuo que acabava em contrato abusivo. Mas ainda assim não chega a ser pior que não ganhar nada e tocar quase sempre de graça em bares, festivais e pubs, porque “ninguém está disposto a pagar pelo que não conhece”. Isso porque nem falei dos artistas que acabam ganhando público graças à internet, mas por não terem a experiência e segurança que se ganha em pequenas turnês e grandes perrengues por exemplo, acabam entrando cedo demais na indústria, e são bem mais explorados e seus erros bem mais expostos que em outros tempos. Ou dos “cantores do YouTube”, que muitas vezes sequer dão créditos aos compositores das músicas que eles regravam, e muita gente aplaude por que graças à Reality Shows estúpidos pensam que uma “voz afinada” ou uma repaginada no instrumental que tira toda a essência da música é melhor que “um artista” ou a mensagem que a música está passando.

E sim, isso acontecia antigamente. Muitos cachês eram pagos com cervejas e infelizmente isso ainda não mudou. Mas havia mais vendas de fitas k7 ou CDs – afinal de contas, não havia SoundCloud. E ah, várias bandas que hoje são consideradas icônicas conseguiram contratos milionários depois desse período no purgatório (blink-182, por exemplo). Hoje em dia, a chance – que era pequena antigamente – se tornou minúscula ou, como gosto de colocar, praticamente nula.

Isso porque ainda nem entramos nos artistas mainstream, ou os artistas consolidados: Eles vivem de imagem, certo? O “Star System“, aquelas pessoas que colocamos num pedestal e achamos que estão acima de nós. Pode não ser você, mas muita gente perde logo o tesão no artista pop e mainstream que não atende a estes altos padrões de riqueza impostos pela nossa imaginação. Lembro de uma vez que Madonna se aventurou em um Live Chat, respondendo perguntas de fãs, e ao invés das manchetes aplaudirem as aventuras de uma artista de quase 60 anos de idade no mundo dos jovens do século 21, o foco mesmo foi um suposto rato que apareceu no fundo do vídeo. “Rato na casa da Madonna? Nossa! Ela está falida. Não vende mais Cds! Vai se aquietar!

Para se livrar destes comentários destrutivos por coisas triviais – e até para participar da própria ilusão de serem estrelas ricas e acima da sociedade -, esses artistas estão tendo que fazer performances em dobro. Em triplo. Vender “Meet and Greet“, porque um autógrafo não vale mais que uma “selfie“, após duas horas e muitas noites de sono mal dormido. E se aparecer com a cara feia, a galera da internet estará te demonizando, te julgando e criando estereótipo depois. O resultado disso? Artistas estão tendo graves problemas nas cordas vocais mais cedo do que o costume. Talvez eles terminem com deficiência auditiva também mais cedo que de costume. Mas… Quem se importa com a saúde do artista? O importante é mostrar para todo mundo que eu estava naquele show!

Se antes as programações de rádio e MTV eram bastante ecléticas e iam do Pop Mainstream (Sandy & Júnior) até artistas de gerações passadas (Rita Lee, Kid Abelha), hoje a MTV nem existe mais, praticamente, para dar lugar a serviços como o VEVO e seus scripts que segmentam a audiência nos estilos que elas aparentam gostar mais de ouvir, resultando em um público alvo mimado e incapaz de ouvir algo diferente de seu pop ou indie rock. Já o rádio se limita a tocar apenas o que está no topo das paradas dos mais vendidos. Mesmo que a música saia em rotação extensiva, indo ao ar milhões de vezes diariamente. E – claro -, há o que chamo de “prostituição” da indústria, onde os artistas pop trabalham em cima de letras mais que repetitivas e burras porque o spam de atenção do ouvinte atual é de 7 segundos (Passando disso, talvez ele não se interesse mais em ouvir você!). Mas o dinheiro tem que circular de alguma forma, certo?

Infelizmente, é assim que funciona a música em 2016: É uma atividade passiva. Tu tem música disponível gratuitamente onde você estiver. E quem dá valor a algo que se pode conseguir tão fácil, rápido e – wow – sem pagar nada? E ai de quem ousar reclamar. Taylor Swift é demonizada até hoje por falar sobre esse assunto, porque enquanto o mundo obedece o sistema Capitalista imposto pelos EUA, os artistas tem a obrigação de serem Socialistas, os Robin Hoods da cultura, distribuindo o que às vezes equivale a 1 milhão e meio de dólares as vezes em gravação de discos para os pobres coitados que não tem 20 reais para comprar um álbum, mas gastam 6 mil reais em um smartphone que muitas vezes nem sabem usar.

E o pior é que, ao invés dos próprios artistas se ajudarem, ainda existe toda essa cultura infernal de “tudo que é mainstream equivale a lixo”, onde alguns artistas independentes comemoram essa crise porque graças a crise, o mercado está ainda pior para eles (!!!) e a culpa é da indústria! Conversando com um amigo, também de banda, foi basicamente isso que ele deu a entender… Lamentável. Mal sabe ele que os milhões recebidos em vendas de uma Adele são o que financiam e equilibram o peso na balança para um artista com um estilo mais alternativo (e que vende menos) continuar em uma grande gravadora. Mas tudo que é pop é ruim, não é? Pior ainda é ver que são poucos os artistas como a One Direction que dão espaço para os novatos que eles acham interessante. Infelizmente, e especialmente no meio do pop, a inveja fala mais alto inúmeras vezes. Afinal, também há uma indústria idiota em cima de briguinhas infelizes.

Muito me entristece dizer isso, porque conheci muitas bandas e muitos bons discos por causa da internet, mas num contexto geral, a internet para a música (e para a cultura em geral) não é tão mar de flores e novidades e coisas lindas que a galera gosta de pintar por aí – até pra nós! Por exemplo, esse texto, por não estar direto no Facebook, não será lido pela metade da metade de pessoas que o post avisando que ele está disponível alcançar. E dos que abrirem o link, poucos chegarão até aqui por ele ser “grande demais”… O triste é que, por hora, o que dá pra fazer é sentar e ver o apocalipse acontecer, enquanto Belzebú passeia por aí disfarçado de Ovelha Inocente.

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