No círculo íntimo, já vi alguns traçarem paralelos entre o BOT e o Vanguart; se não no som, na entrega das bandas às suas carreiras e no cuidado com arranjos, riffs e letras. Há semelhanças visíveis, mas prefiro ressaltar as diferenças incontornáveis.
Como ponto de partida, o BOT (completado por Welliton Moraes ,vocal/guitarra, Marcus Tubarão, bateria, e Thiago Araújo, contrabaixo) é mais técnico, além de um tanto mais seco. Eles deixam a sofisticação pro funcionamento da máquina disfarçada de power trio montada por eles, não pras linhas melódicas, onde preferem ser mais diretos.
Nas letras, uma aparente simplicidade escondem dor e profundidade calcadas no blues e no rock sulista dos EUA, mas com a cara, a pegada e autoexposição típicas da vida sertaneja urbana do Brasil.
Se isto fosse um estudo de sociologia, poderíamos teorizar que isso se dá devido às semelhanças desta por vezes opressora existência no caos do concreto, paranoias urbanas e asfalto; cercada, no entanto, por lavouras e uma natureza ainda praticamente intocada.
Como se vivêssemos no inferno, mas com pequenas rotas de fuga para o éden (a meia hora de distância de qualquer um). O problema é que as temporadas no jardim das delícias são sempre rápidas e vão diminuindo conforme vamos crescendo, até chegar o dia em que todos estamos cansados demais pra fazer a viagem – tanto física quanto espiritual – porque sabemos: o destino certo é voltar pra nossos sarcófagos disfarçados de casas e apartamentos. Não é uma troca fácil.
E o BOT parece fazer questão de afirmar isso em suas composições com um misto estranhíssimo de raiva, força e doçura. Talvez a melhor definição para o léxico nada usual alcançado pelas canções da banda, visto não serem só as letras a seguir esse caminho – a dinâmica instrumental faz o mesmo, num jogo de claro/escuro viciante. E é ponto pra eles, que conseguem prender o ouvinte naquela sensação de ter sempre deixado algo escapar, uma espécie de estado próximo do vício.
Preste atenção às partes melódicas dos refrões de “O Amor Caiu em Desuso” e “Subconsciente“, por exemplo, é rock alternativo no talo, com cadências lembrando momentos mais melódicos do Smashing Pumpkins, Nirvana e até, pasme, The Cure. No entanto, mesmo isso é só pra te manter no jogo deles, pois o andamento seguinte te puxa de volta pra barulheira técnica típica do Dinosaur Jr, Mudhoney ou Superchunk. Confusa a definição? Tá começando a entender, meu filho, sede bem vindo ao universo distorcido ma non troppo do Branco ou Tinto.
O disco evolui conforme vai sendo tocado, pois se a coisa começa a amargar em versos como “Me iludi, nem percebi e quando menos esperava, me perdi(…)/E digo, sem absurdo, que se pudesse, agora, inventaria um outro mundo” (em Subconsciente), mantém o interesse, o enigma e a originalidade na canção seguinte: “Boa noite amigo, quero o de sempre, mais uma dose pra esquecer quem eu sou (…)/Pra não sentir os temores e dores que nunca adormecem” (em Tesouro Escondido, que poderia muito bem ter sido escrita por Lupicínio Rodrigues, com direito a pedido pra ela nunca mais voltar e tudo).
Nada mais natural, pois apesar e além da associação óbvia feita por muitos com o vinho, a inspiração para o nome Branco ou Tinto partiu de um poema de Alberto ‘Fernando Pessoa’ Caeiro. Difícil imaginar ponto de partida melhor que esse. Enfim, esqueça as bobagens que você leu aqui e corra para ouvir o disco no volume máximo que é, vai.
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