Só por esse momento, não vamos falar de música, não vamos falar de Rock. Vamos prestar uma homenagem a um cara que fez parte da infância de toda a equipe do site: Roberto Gomes Bolaños.
Hoje visitei a vila mais uma vez e, ao passar pelos grandes portões de madeira que davam entrada ao local, percebi que algo diferente estava acontecendo. O lugar estava frio, escuro. A trilha sonora de tristeza tocava alto e não havia risadas de fundo. Chiquinha, aos prantos, abraçava o amigo e entre os berros, perguntava:
“Mas por que você tem que ir, Chavinho?”
Da parede, Quico também perguntava o mesmo ao se virar, depois de chorar mais um pouco. E mais uma vez.
“Por que hoje, eu finalmente vou conhecer meu pai! Ele já preparou tudo, até uma mesa assim, bem grandona, cheia de sanduíches de presunto”, dizia, enquanto lambia os beiços ao imaginar o banquete que lhe esperava.
Chiquinha para momentaneamente o choro e faz uma estranha careta de indagação.
“Mas Chaves, você não é órfão?”
“Não, sua besta! Mas não te disseram que nós temos dois papais e duas mamães?”
Quico se vira, fazendo pose de galo de briga. Enche o pulmão de ar e fala:
“Eu só tenho uma mamãe e o nome dela é Dona Florinda!”
Chaves se vira.
“Todos nós temos dois papais e duas mamães, Quico. Temos o papai e a mamãe aqui da terra, e o papai e a mamãe lá de cima.”
“AH… É disso que você tá falando… Assim, sim!”
“Eles me chamaram hoje por que fui um menino muito bom e que deixou muitos outros meninos felizes, mesmo com todas as vezes que bati em você ou que recebi o velho pançudo com uma pancada!”
“E que velho pançudo seria esse, Chaves?”, disse uma voz muito conhecida.
“Aquele que vem sempre cobrar o aluguel!”
“E por acaso esse velho pançudo não seria… Eu?”
Um arrepio subiu pela espinha do garoto, que percebeu o que fez de errado. Ao virar para se desculpar, acabou batendo com sua trouxinha na barriga do Sr. Barriga que, visivelmente irritado, berra:
“Tinha que ser o Chaves de novo!”
“Tá bom, mas não se irrite…”
“Toda vez que eu chego nessa vila, você me recebe com uma pancada!”
“Sim, mas hoje é diferente. Essa é a última vez que lhe recebo com uma pancada, e antes de ir, queria muito que o senhor me desculpasse por todas as vezes que lhe recebi assim.”
“E para onde você vai, Chaves?”
“Bom, hoje de manhã, recebi uma carta do papai lá de cima avisando que hoje ele queria que eu fosse pra lá. E que tinha que obedecer, pois os bons filhos sempre obedecem a seus pais. De primeiro, eu não queria ir… Mas ele disse que era lá ia ter muitos sanduíches de presunto e eu não ia mais dormir no barril, e que não ia mais passar fome, então eu disse ‘zás, zás… Aí eu chegava, e comia todos os sanduíches de presunto e zás, zás’ e… É isso!”
O Sr. Barriga, de repente, se lembrou de todos os momentos que foi recepcionado pelo garoto. Atônito e triste, ele desejou uma boa viagem ao menino e tirou de sua pasta um sanduíche de presunto que estava guardando para a hora do lanche.
“Toma, pra você não ficar com fome durante a viagem.”
Sem falar nada, Chaves recebeu o presente e deu-lhe um abraço apertado.
Era a vez de visitar o Seu Madruga. Bateu na porta de número 72 e esperou.
“Olha Seu Barriga, hoje eu não tenho na… Ah, Chaves! E o que você quer aqui? A Chiquinha não está aí fora?”
“Isso isso isso, mas hoje eu vim falar com o senhor!”
“Então diga…”
“É que… Eu estou indo embora encontrar meu Pai, e ele me pediu para me desculpar por tudo tudo que fiz de errado com o senhor. O senhor me perdoa?”
Seu Madruga engoliu em seco. Olhou para o menino e disse:
“As pessoas boas devem amar seus inimigos… E também perdoar seus amigos. Minha vozinha sempre me falou isso.”
Prevendo a resposta do menino, continuou: “E sim, faz muito tempo, mas ainda me lembro muito bem.”
Viu a Dona Clotilde, e pediu-lhe desculpas pelas vezes que a chamou de bruxa; ao Professor Girafales, pelas vezes que o chamou de linguiça… E à Dona Florinda, por tê-la chamado de velha coroca várias vezes. Despediu-se de cada um, sem dizer adeus jamais.
–
Todos estavam reunidos do lado de fora da vila. O céu estava escuro, e as estrelas brilhavam como nunca haviam antes. Todos choravam pela despedida do amigo, mas o Chaves parecia mais feliz do que jamais esteve. Cumprimentou o Seu Madruga, a Dona Neves, a Chiquinha, o Quico, a Dona Florinda, o Professor Girafales, a Pópis, o Sr. Barriga e o Nhonho, a Dona Clotilde, o Jaiminho… Deu um beijo no rosto da Paty e, ao reparar que todos estavam aos prantos, disse:
“Não se preocupem, meus amigos. Pois as estrelas testemunharam nosso amor e semelhança… Haveremos de nos reunirmos muitas, muitas vezes mais. Boa noite, vizinhança!”
Acenou mais uma vez antes de pegar seus pertences e desceu a rua. Ao ver seu pai, pensou em todos os sanduíches de presunto que o esperavam e começou a saltitar, como sempre faz quando está feliz.
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