O Rock de Verdade entrevistou o icônico Tico Santa Cruz, vocalista do Detonautas, no Baccará Backstage, em Santos (SP), onde se apresentou no último dia 27, com participação do NDK.
[Rock de Verdade] Com o Detonautas já existia uma crítica social forte por meio das letras, vídeos, o que de certa forma caracterizou a banda. E agora com as redes sociais, você se considera um formador de opinião?
[Tico Santa Cruz] Eu nunca usei a internet com o objetivo de ser um formador de opinião. Eu sempre usei a internet pra poder me expressar pelo fato de eu não ter canais disponíveis que me dessem essa oportunidade. Quer dizer, eu não sou uma figura que tenha uma abertura muito grande nas mídias tradicionais, então por não ter essa abertura eu tive que criar uma outra ferramenta pra poder me comunicar com meu público. Então, nesse viés de comunicação com o meu público, a minha opinião começou a se tornar uma opinião relevante dentro da rede. E aí as pessoas começaram a me considerar como formador de opinião, e eu sempre fiz isso aí desde o começo (falando sobre política), desde o início da minha vida, desde a escola. Na época que não tinha Facebook eu escrevia textos mimeografados e colava pela escola, as pessoas não sabiam que era eu quem estava escrevendo, eram textos apócrifos. Mas, eu sempre gostei de escrever e de colocar, e isso gerava debate nas salas, porque eu escrevia textos sobre questões religiosas, questões políticas, não tinha onde colocar e colava na parede da sala. Então quando a galera entrava na sala, lia o texto, já dava uma desandada na parada. Eu sempre gostei de debater os assuntos, e a internet foi uma ferramenta que me ajudou a popularizar esses assuntos e chegar nas pessoas.
[RDV] Como é levantar debates político-sociais na rede? Às vezes você dá sua opinião, e às vezes só expõe algum fato para a galera debater… Como isso acontece? De onde vem essa ideia?
[Tico] Eu acho que o debate político nas redes sociais é muito raso. Hoje mais ainda porque as pessoas estão muito polarizadas, é uma coisa muito binária que não é política. Política é quando você consegue convergir ou divergir ideias entre várias formas, aspectos, cores diferentes de opinião. Hoje a pessoa se não pensa de um jeito, pensa do outro – é aquela coisa do “coxinha x mortadela”, que se configurou dessa maneira, e isso é muito raso, eu considero muito raso. Mas ainda acho que mesmo sendo raso é mais importante do que não ter. Antigamente a gente não tinha. Eu me lembro 2007, 2006, 2005, que eu fazia manifestação em frente do Congresso Nacional e não tinha ninguém, era eu e mais três pessoas, cinco pessoas. Eu botava textos na internet e não tinha nenhuma repercussão. Eu falava com o Detonautas no DVD de 2004 (gravado em Campinas), tem uma fala política antes de uma música (“Ladrão de Gravata”) sobre as questões político-sociais do Brasil e isso não repercutia, não tinha alcance. Hoje a coisa se tornou popular. Então, acho que minha missão como artista é usar o fato de que eu sou uma pessoa que tem uma visibilidade grande e pautar os debates de forma que as pessoas consigam se aprofundar um pouco mais, então eu tento sempre ir aprofundando os assuntos. Agora, óbvio, no ano de 2014, 2015, 2016 a coisa ficou muito pesada, e esse ano eu estou com o objetivo voltado exclusivamente pra poder fazer o disco novo do Detonautas, pra lançar o meu livro novo, então eu estou deixando os debates mais calorosos de estar ali, interagindo o tempo inteiro, coloco os fatos mas estou tentando dar uma equalizada pra poder achar o tom certo, pra não ficar só uma guerra louca como estava acontecendo antes.
[RDV] O que você pensa sobre a ascensão de formação de opinião (por embasamento ou não) pela internet?
[Tico] Eu acho que nós estamos no meio de uma revolução da comunicação, e isso é um período de transição até que todas as pessoas entendam como funciona a ferramenta e tudo é caótico, e você tem que saber lidar com o caos, o caos está instalado. Você vai entrar em uma rede e como as pessoas conseguem se organizar pra poder compartilhar opinião e principalmente no Facebook, que é um lugar que você segue pessoas, ele tem um algoritmo que identifica com o que você se identifica, e ele começa a jogar pra você coisas que parecem com o que você pensa, e então você cria uma bolha de opinião. Isso é muito perigoso, porque você passa a não raciocinar de forma crítica, você passa a reproduzir só a mesma opinião, e quando você começa a reproduzir só a mesma opinião, você tem certeza de que aquela opinião é a única opinião certa, e isso é muito perigoso, porque as certezas são muito perigosas. Quando a gente tem certeza de alguma coisa, a gente não abre precedente pra mudar opinião, se transformar e tudo mais, e esse é o maior risco. Por isso que eu tento de alguma maneira e consigo na minha página trazer pessoas de várias correntes, tem gente que é de esquerda, tem gente que é de direita, tem gente que é liberal, tem gente que é conservadora, tem gente que é anarquista, tem gente que é de várias nuances políticas pra você poder tentar ali travar um diálogo que faça com que as pessoas reflitam, e eu tenho bastante êxito nisso, porque eu vejo que tem muita gente que fala assim “puts, eu tinha uma opinião a respeito disso, mas aí eu li em um debate…” porque não basta ser só a postagem. A postagem vai jogar o que todo mundo está jogando, agora o meu debate dentro da página (na época que eu estava me propondo a fazer isso) gerava que as pessoas que estavam acompanhando e lendo o debate e falavam “pô, isso aí que o cara falou tem razão”, “isso aqui que o Tico falou tem razão”, então o debate é que faz com que as pessoas possam se esclarecer. Se for só compartilhamento e só leitura do conteúdo talvez não sirva muito pra formação do senso crítico.
[RDV] Como é ser brasileiro, crítico na internet, falando de política no Brasil, e “dando a cara a tapa”?
[Tico] Toda vez que você vai expor uma opinião vai ter adesão e vai ter crítica. A questão da internet é que quando você tem uma adesão grande você também vai criar um volume de críticos teus que vai reunir outros críticos, e vão criar, de alguma maneira orgânica, correntes muito pesadas de ataques. Ano passado eu sofri bastante essa questão de ataques, não é uma questão de se vitimizar porque são ataques que se usam de mentiras, de ameaças, de injúria, de calúnia, de difamação, e são todos passíveis de questões jurídicas. Tanto que eu processei um blogueiro, o Nando Moura, que se sobressaiu por ser um cara que fala um monte de mentiras, que ataca um monte de gente, e diz ele que vai recorrer, mas ainda que ele recorra ele já perdeu na primeira, e se perder na segunda vai ter que pagar uma indenização maior ainda, além dos custos do processo. Então as pessoas tem que ter responsabilidade com as coisas que elas falam, e a gente que tá falando tem que ter a consciência de que há uma reação. Nas ruas eu não tenho essa rejeição, se um cara não concorda comigo ele vai passar direto e não vai falar nada, talvez um cara faça uma brincadeira ou outra e tal, mas não tem os caras que ficam igual no Facebook xingando, ofendendo e te agredindo, porque na rua as coisas são de outra forma. Às vezes até no tom de voz e conversando com a pessoa, o cara entende que o que você está dizendo não era exatamente o que ele estava lendo, porque a interpretação de texto também é péssima. Você também tá contando com o fato de que as pessoas não leem no Brasil. Então às vezes o cara tá lendo uma coisa e não consegue nem interpretar, e já tá te atacando antes de entender. Por exemplo, aqui no Baccará quando a gente fez a divulgação: eu entrei nos posts do Baccará e tinham 26 likes uma postagem… As postagens que tinham mais likes tinham 500 likes, 400 likes. Na minha postagem tinham 980 likes e 400 comentários, porque virou uma guerra ali dentro. Isso pra quem contrata o show é muito ruim, porque o cara fica com medo, fica tenso, o contratante não está acostumado a essa realidade, então muitas vezes tem que chegar pro contratante e explicar pra ele que o que tá acontecendo na internet nem sempre é a realidade do que se acontece na rua. Tem grupos organizados que entram em lugares onde eu vou fazer show que é pra poder atacar e fazer o contratante recuar, e aí eu falo pro contratante que quando ele recua diante de uma opinião que é controversa, ele abre espaço pra que não tenha mais direito de colocar o que ele quiser, só vai colocar o que essas pessoas que estão pressionando pela internet querem, e a internet não reflete a realidade do dia a dia. A gente vai ver aqui hoje que provavelmente vai ser um dia cheio, como todos os lugares onde eu tenho feito shows, como todos os lugares onde o Detonautas tem feito shows. Então essa coisa da internet tem que ponderar muito bem pra não cair numa armadilha, de não achar que “ah, o Tico Santa Cruz tem uma rejeição gigante”, não tenho. Eu ando na rua tranquilo, às vezes mais tranquilo do que essa galera que tá sendo aplaudida pela internet e que quando vai na rua neguinho bate de frente e acaba criando tumulto.
[RDV] Agora vamos falar de música. Você participou ativamente no cenário do rock brasileiro nos anos 2000, e agora você continua participando nessa nova “geração” que é mais desprendida de rótulos do rock, mais eclética… Como é estar presente nessas duas fases, observar essa mudança?
[Tico] Hoje o rock no Brasil representa, com muita bondade, 2% do mercado nacional, então é muito pequeno. É um nicho que tem uma dificuldade muito grande de comunicação com a massa. Tirando as bandas que já são consagradas e que já têm uma carreira estabelecida, as demais bandas encontram uma dificuldade muito grande de dialogar. Primeiro porque não tem nada, só tem uma rádio de rock no Brasil (Rádio Rock – 89 FM, São Paulo), algumas outras rádios menores que são pulverizadas pelos interiores do Brasil, então não tem canal pras bandas falarem com muita gente. Não tem também na televisão, entra na Multishow, na MTV, o espaço está muito restrito (ao rock). No canal aberto (Globo, SBT, Redetv) menos ainda. Então, o único espaço que a gente tem pro rock é a internet. E dentro da internet a coisa também fica pulverizada. Acho que a grande dificuldade do rock hoje é conseguir acessar a linguagem dessa garotada, da juventude. E de alguma maneira eu tento, pelo fato de já ter uma carreira consolidada, de que eu já tenho hits, eu já tenho uma história dentro do rock nacional, fazer com que a galera possa descobrir novas bandas, descobrir novos artistas, novos conceitos. Por exemplo, esse projeto que eu tô fazendo aqui agora, de tocar com uma banda de Santos, ou de São Paulo, Rio Grande do Sul, faz com que a galera conheça um novo trabalho de uma outra banda. Eu fiz agora um som com a Anacrônica, uma banda que eu gosto muito, eu vindo agora pra cá pra São Paulo (o cara que está trabalhando comigo como produtor tem uma banda chamada Atlanta, que é muito boa, que não é de rock mas mistura rock, rap, reggae). Então quando tem coisa boa eu procuro sempre jogar luz, pra ver se floresce alguma coisa. Por enquanto a gente só está plantando, o que a gente vai colher no futuro vai depender dos espaços.
[RDV] O que manteve o Detonautas até aqui?
[Tico] O que mantém o Detonautas é o fato de que a gente acredita muito na nossa música, a gente tem uma amizade muito grande dentro da banda, a gente passa sim por momentos muito difíceis, muitos altos e muitos baixos, as coisas são muito diferentes, cada um tem que se virar como pode. Eu vejo muitas bandas dando pausas, terminando, acabando e a gente seguindo, com dificuldades, enfrentamento, pouco espaço em mídia, com um personagem que é uma figura que eu sou, que tem controvérsias, mas acho que o rock é isso, não acho que o rock seja um comportamento de gado, de ovelha, de ficar repetindo tudo o que as pessoas querem ouvir e só ser aplaudido, eu acho que tem essa questão de enfrentamento do próprio público de rock, acho que esse é um papel do rock na sociedade. O Detonautas esse ano vai lançar um disco novo, eu acredito muito que a gente vá conseguir acessar essa galera que o rock não tá conseguindo acessar, porque eu tenho feito um trabalho pra poder tentar articular essa linguagem de uma forma que chegue nessa galera e eu vou acreditar sempre de que é possível.
[RDV] O que a gente pode esperar em relação a lançamento?
[Tico] Tem um álbum novo. Não é um álbum com muitas músicas, a gente lançou um disco duplo no ano retrasado. É um álbum com talvez 8 músicas, no máximo 10, e que a gente vai trabalhar com ele ao longo desse ano. Então provavelmente a gente deva lançar algo até junho, julho, algum single, e o álbum mesmo está programado para agosto.
[RDV] A sonoridade vai ser mantida, vai ser algo diferente, ou não pode falar ainda?
[Tico] Estamos fazendo experimentações, mas é dentro do universo do que o Detonautas já fez. Não estamos vindo pra revolucionar (em termos de linguagem), a gente tá vindo pra reafirmar a nossa forma de fazer rock. O Detonautas tem uma forma própria de fazer rock e a gente veio reafirmar isso pra poder chegar na galera.
[RDV] Quais bandas você tem escutado ultimamente?
[Tico] Do rock hoje, no Brasil, eu confesso que tenho escutado bem pouco, não tenho visto muito bandas que tenham trazido alguma coisa que de fato eu possa falar assim “caraca, essa banda tá fazendo uma linguagem diferente”. Acho que as bandas ainda estão aprisionadas no modelo antigo de fazer rock, mas tem muitas bandas fazendo. Não vou te falar que essa banda é legal, que aquela banda é legal, porque eu posso ser negligente e enfim, deixando na berlinda um monte de bandas que estão por aí. Mas eu torço pra que as bandas tenham espaço, torço pra que elas consigam abrir caminhos. Eu tenho parceiros, que são bandas que tocam comigo. A ROKS que é uma banda que toca comigo que tem um material que é legal, tem a Anacrônica que é essa banda lá no Paraná que é uma banda bem bacana, eu não entendo como ela não estoure. Conheci recentemente a Atlanta também, eu gostei de verdade, por isso to mencionando aqui. Então tem muita coisa acontecendo por aí, tem muita banda legal. Tem as bandas que estão por aí, tentando respirar, Ponto Nulo no Céu, Selvagens a Procura de Lei, Scalene, bandas que estão tentando buscar oxigênio. Mas eles não desfrutam de um mesmo panorama que o Detonautas desfrutou, que a Pitty desfrutou, que o CPM (22) desfrutou. Então é muito difícil conseguir sobreviver nesse período. Tem o Braza que é a banda que saiu da formação do Forfun, daí outra banda para, tem um intervalo, aí o CPM vai lançar um disco novo, a Pitty virou mãe, precisa dar atenção à filha dela e a gente fica na expectativa de que ela no futuro lance alguma coisa, o Capital (Inicial) lance um disco, O Rappa lance outro… Eu acho que enquanto o rock não se juntar pra se movimentar de forma coletiva a gente vai continuar nessa situação deplorável e sem abrir espaço pra que a garotada possa vir e desfrutar de um cenário mais bacana, proveitoso. Esse “isolamento” do rock entre os grandes nomes é uma coisa que me entristece muito. E eu posso falar isso porque eu fiz várias vezes movimentos pra tentar juntar, e muitas vezes eu não consegui, então eu começo a pensar que o problema é comigo, que eu sou o problema, que eu não consigo juntar essas pessoas. Mas é uma pena, porque acho que é a única maneira de reafirmar o rock no Brasil.
[RDV] Você tem algum recado pra deixar pros fãs?
[Tico] Quero dizer pra galera aí que tá seguindo o Rock de Verdade que o Detonautas lança um disco novo, e que a gente possa conviver com as nossas diferenças, porque como eu sou uma figura que tá muito ligada a essa questão de só ver meu nome e não quer nem saber o que está sendo falado já tem uma opinião, uma crítica pra fazer. É isso, espero que a galera do rock junte forças, se junte novamente pra gente conseguir reverter essa situação e criar um ciclo novo de prosperidade, espaço, lugares, pra gente fazer um novo som, porque é isso que a gente quer fazer no fim das contas, a gente quer fazer um novo som.
Fotos: Gabriela Miranda de Faria
Repórter: Barbara Lopes
Editor chefe: Will batera